José Poças Esteves, Executive Partner da Crowe Advisory - SaeR, a mais recente unidade de negócio da Crowe Portugal, defende que as cidades terão de se adaptar à nova realidade pós pandémica. Mas que alterações são esperadas?
A cidade pós-pandemia vai continuar a destruir economia ou vai gerar novas oportunidade de negócio?
A pandemia vai, fundamentalmente, constituir um acelerador de mudanças e tendências. Por isso, muito mais que destruição, traz desafios e, sobretudo, oportunidades para as cidades se realizarem e afirmarem.
Há que considerar que as cidades são um dos grandes feitos e um dos grandes triunfos da Humanidade. É nas cidades que as grandes mudanças e a evolução das sociedades acontece. As exigências de mudança já existiam, mas, com a pandemia, tornam-se mais evidentes e agudas. Além das grandes questões históricas e tradicionais do papel das cidades, existem agora as novas questões que têm obrigatoriamente de resolver e considerar, na sua organização e planeamento, como as novas tecnologias e a transformação digital (mais inteligentes), a sustentabilidade ambiental e as questões de mobilidade (mais ecológicas), a economia da partilha (mais eficazes) e as questões de higiene e segurança sanitária (mais segurança, sanitária e biologicamente).
Os citadinos vão virar-se mais para o comércio local ou vão simplesmente ‘esmagá-lo’ com o aumento exponencial das compras online?
O comércio local não vai ser esmagado. Vai, pelo contrário e muito provavelmente, ganhar um novo fôlego. Tem é de se adaptar às novas tendências e de se reposicionar, mais rapidamente do que o que já vinha fazendo. Este tipo de comércio a retalho tem a grande vantagem da proximidade, da conveniência e do melhor conhecimento do cliente.
Os investidores em geral e os promotores imobiliários em particular vão deixar de se sentir atraídos pela cidade?
Os investidores vão continuar a mostrar grande interesse pelas cidades, pois elas não vão deixar de desempenhar o seu papel determinante, em termos sociais e económicos. No entanto, isso terá de acontecer em novas formas de organização e planeamento das cidades, nomeadamente incorporando as exigências de descarbonização e transição climática (mobilidade — distâncias e meios de transporte partilhados, etc.), de biossegurança, de teletrabalho, de pontos de encontro, conferências, eventos, culturais e outros, etc. Conceitos como centros comerciais ao ar livre e de comunidades 15 minutos (ter acesso a casa, trabalho e bens sociais num máximo de 15 minutos), por exemplo, estão a ganhar novo fôlego. Por isso, os investidores e promotores não vão deixar de aproveitar estas oportunidades, caso as cidades tenham o saber e a capacidade para as provocarem.
A pandemia vai continuar a tirar habitantes às cidades principais e a empurrá-los para as cidades secundárias e também para o campo?
Não vai acontecer um “êxodo urbano”. Vai acontecer, sim, uma transformação das cidades, numa lógica mais policêntrica, com novas cidades/ comunidades fora do grande centro urbano, mas relacionadas entre si. Em experiências já conhecidas de alguns países, como a Austrália, por exemplo, onde houve uma tendência de deslocação para áreas regionais e mais rurais, por razões de estilo de vida, tem-se notado um retorno à cidade, com a sensação de não ter dado certo, e as razões apontadas são a perda de conexões, oportunidades financeiras, necessidades culturais, etc.
Os escritórios, tal como os conhecemos, vão desaparecer, ou os seus proprietários vão ter de os redesenhar e readaptar?
Os escritórios vão continuar a existir nas cidades, mas readaptados e redesenhados para corresponderem a um novo equilíbrio das suas funções e adaptação às novas exigências de segurança, nomeadamente biossegurança e bem-estar. O teletrabalho veio para ficar. O trabalho remoto, a partir de qualquer local, traz grandes vantagens, nomeadamente em termos de tempo e custos. No entanto, traz também grandes desvantagens. Além de trabalho, os escritórios são também e cada vez mais ponto de encontro, socialização e inovação criativa, cocriação de ideias e de novos projetos e estratégias de desenvolvimento.
Um sistema misto parece ser a solução. Em vez de um trabalho em escritório de cinco dias, passaremos a ter um de dois ou três dias.
A transição climática vai entregar-nos cidades mais verdes?
Sim, claramente. A preocupação social de sustentabilidade e transição climática está a sofrer uma importante aceleração com a pandemia. Será uma transição lenta, mas segura. Vamos ter novas organizações das cidades, com novas soluções de forma e planeamento (espaços abertos, mobilidade sustentável — ciclovias, carros de transporte coletivo mais ecológicos, partilha de equipamentos — como bicicletas, carros elétricos, etc.)
Os fluxos de turismo eram a grande base económica das principais cidades. No pós-covid, sem turismo de massas, como irá sobreviver a economia urbana?
As cidades, tal como as pessoas e as empresas, com a pandemia, têm de “fazer pela vida”. Estão a ter e continuarão a ter, nomeadamente a curto prazo, momentos difíceis, mas têm de entender e aceitar o desafio de acelerar a necessidade de transformação, já existente, mas agora mais evidente e aguda. Com a vacinação, os testes e a imunidade comunitária, os fluxos de turistas vão ser retomados. Há fluxos que vão diminuir, como eventos e encontros de negócios, por exemplo, mas, com a pandemia, foi criada uma grande ânsia por viajar, embora não exatamente da mesma maneira. O turismo vai deixar, cada vez mais, de ser um turismo de massas e passar a ser um turismo de propósitos e mais responsável. As propostas de valor das cidades têm de corresponder a estas exigências. As soluções que levaram ao overcrowding (excesso de aglomerações) têm de ser substituídas por soluções e propostas de valor neste novo sentido do turismo. Os novos fluxos são mais restritos, com menos pessoas, mas compensado por maiores tempos de permanência. Os transportes aéreos, apesar das novas exigências de descarbonização (exemplo: questão das viagens com menos de 600 km), continuam a terum papel fundamental e de interdependência nos fluxos de turismo.
Neste aspeto, as cidades têm todas as vantagens em garantir que podem constituir-se como hubs de distribuição, no caso das companhias aéreas tradicionais, ou pontos específicos de emissão/receção de turistas, no caso das companhias low cost. Estes desafios já estavam colocados, mesmo antes da pandemia.
A memória é muito curta. Será que, com a vacinação em massa, tudo será esquecido e — em poucos anos — a vida das cidades voltará a ser como era?
A vida nas cidades continuará a ser muito intensa. As cidades vão continuar a desempenhar o seu papel fundamental nas sociedades e nas economias. No entanto, as cidades terão de sofrer uma transformação gradual para se adaptarem às novas circunstâncias. Por outro lado, as cidades concorrem umas com as outras, nomeadamente pela captação de pessoas e capitais. Por isso, as que conseguirem essa adaptação mais rápida e mais eficaz serão as que se afirmarão mais fortemente, enquanto as outras, necessariamente, sofrerão um processo de definhamento.
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Entrevista de José Poças Esteves, Executive Partner da Crowe Advisory - SaeR, originalmente publicada pelo Jornal Expresso.
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