REVISITANDO A ABERTURA DE CAPITAL – TO BE OR NOT TO BE

REVISITANDO A ABERTURA DE CAPITAL – TO BE OR NOT TO BE

O tema visto sob o ponto de vista da Crowe Macro, uma firma com extensa experiência em processos de abertura de capital. 

15/05/2024
REVISITANDO A ABERTURA DE CAPITAL – TO BE OR NOT TO BE

Alguma vez você já se sentou para escrever um artigo com a sensação de que, inevitavelmente, estaria “chover no molhado”? Mesmo assim, mantenho a convicção de que é necessário colocar as coisas “preto no branco”, pois, como dizia um colega meu, "o óbvio só é óbvio depois que alguém o trouxe à luz". Portanto, vou insistir em conceitos conhecidos, mas que hoje ganharam uma importância diferente e que podem influenciar decisões de financiamento que estavam um tanto “fora de radar” até recentemente. Talvez porque, devido à pandemia, as aberturas de capital (IPOs, para usar o jargão do mercado) tenham entrado em estado de dormência desde o segundo semestre de 2021.

A parte mais óbvia: com o atual nível da Selic e ainda contando com a expectativa do mercado de que o COPOM faça alguns cortes ainda em 2024, muitos dos investidores conservadores, cuidadosos e adeptos da renda fixa, continuam se apegando a esta modalidade de investimento. No entanto, percebemos que, aos poucos, os fundos de investimento e os assessores financeiros vêm trabalhando com a ideia de que o mercado tenderá a optar por aplicações de maior risco, ou seja, migrando para carteiras com maior conteúdo de renda variável. Neste momento de incertezas, e ainda desconhecendo o real impacto das enchentes no Sul, essa migração pode ser um pouco mais moderada do que seria se os cortes da Selic continuassem como planejado no início do ano.

Neste cenário, as empresas cujo planejamento inclui investimentos de médio a longo prazo precisarão “levantar” recursos financeiros para financiar seu crescimento e seus planos de expansão, aquisições etc. A solução seria recorrer aos bancos? O spread bancário normalmente inibe os empresários de buscar esta alternativa. E quanto ao BNDES? Apenas para determinados tipos de investimentos em equipamentos. Para onde rumar então? Uma opção se destaca: captar investimentos do mercado. Em outras palavras: abrir o capital, lançar ações no mercado.

Isso significa que as empresas precisam correr para abrir o capital em alguns poucos meses? Certamente não. Os rumos da economia e da taxa básica de juros deverão ser observados. Mas já podemos perceber que as empresas nessa situação estão de olho no quarto trimestre deste ano e no início de 2025 como um horizonte possível para abrir o capital. Além do planejamento dos negócios em si, a perspectiva de abertura de capital implica em um sério arranjo das condições de governança, que costuma ser um dos pontos fracos de muitas empresas médias, especialmente aquelas de origem familiar ou que ainda mantêm a família no controle dos negócios.

Preparar-se para uma abertura de capital não é fácil e seguramente poderá haver empresas que, mesmo com a intenção de encarar este processo, dificilmente terão condições de fazê-lo, ao menos de forma imediata ou rápida. A “arrumação da casa” em termos de governança corporativa, de controles internos (incluindo o desenho e implantação de uma robusta auditoria interna) e de adoção de normas contábeis exigidas pela legislação brasileira, torna a tarefa bastante desafiadora. Não parece haver muitas empresas que consigam passar por esse processo com seus recursos internos. Muitas vezes, porque esses recursos internos são inexistentes e contratá-los ou treiná-los demandaria muito tempo e recursos financeiros. Outras vezes, trata-se de uma questão de custo-benefício, quando a administração conclui que é muito mais conveniente contratar uma equipe de especialistas, bem treinados neste tipo de processos, que tornarão este processo mais rápido e menos “doloroso”.

No cenário internacional, é relevante observar como a China poderá alterar sua política de investimentos e comércio com muitos dos países “alinhados” com os Estados Unidos. Levando em conta os impactos que quaisquer movimentos ou decisões dos chineses possam ter no mercado local e de exportações brasileiros, os empresários locais devem considerar esta circunstância ao calibrar a época de abertura de capital, de modo a negociar as ações no mercado pelo maior valor possível, o que, ao que tudo indica, não acontece neste momento em que o mercado está “em baixa” ou deprimido. A forma e a medida como as duas guerras atualmente em curso podem impactar os negócios também são pontos de atenção em qualquer planejamento.

Conclusão resumida

O rumo da taxa básica de juros no Brasil, mesmo que entre num ritmo menor do que o esperado, deverá afastar aos poucos os investidores da renda fixa, que gradualmente irão direcionar recursos para a renda variável. É a ocasião perfeita para que as empresas procurem a abertura de capital como via de financiamento do seu crescimento ou para que acionistas majoritários aproveitem a “onda” como “via de saída” para realizar lucros e/ou diversificar investimentos. Contudo, o processo não é fácil, especialmente para empresas médias. Quem decidir avançar por este caminho deve se apoiar em um exército de profissionais experientes em tais processos: advogados, bancos, assessores financeiros e, não menos crucial, profissionais que preparem a empresa nos aspectos contábeis, de governança e sustentabilidade.