Paradoxalmente, a diminuição do ritmo de crescimento da China pode ter um lado positivo. Explico: o principal item na pauta de importações da China é o petróleo. Numa época em que, por circunstâncias específicas (leia-se conflitos no Oriente Médio), pode haver pressão pelo aumento dos preços internacionais do petróleo, a existência de um grande importador que venha a diminuir sua procura por essa commodity pode fazer o preço internacional do petróleo cair ou, pelo menos, não subir na proporção que teria sem essa circunstância. Apenas uma especulação da minha parte, mas baseada na lei imutável da economia: a da oferta e procura. A desaceleração da economia chinesa até que poderia ajudar a "puxar" mais rapidamente a inflação norte-americana para os seus tradicionais e hoje desejados 2% anuais, o que empurraria os juros dos Estados Unidos para baixo, o que, consequentemente, liberaria mais recursos internacionais para investimentos. Esta circunstância, se confirmada, pode favorecer o Brasil, um dos destinos de investimentos externos, dado que a poupança interna (formação bruta de capital, como dizem os economistas) não é suficiente para sustentar os investimentos de que o Brasil necessita.
Segundo a minha visão, a China não se recuperou da crise imobiliária que afundou a Evergrande. O cerne da questão é que a China conviveu por muito tempo com um déficit habitacional expressivo. É por esse motivo que os estímulos à indústria da construção que foram dados pelo governo chinês, após a sua ‘conversão’ ao capitalismo (digamos, de estado), foram por muitos anos o motor que impulsionou o crescimento da economia chinesa, constituindo-se no principal pilar do crescimento relevante que a China experimentou nas últimas décadas. No momento em que o déficit habitacional foi superado (inclusive, há excesso de oferta de unidades habitacionais), o principal motor de crescimento também precisou ser desligado, ou, pelo menos, desacelerado em forma substancial. O governo chinês, que conta com a vantagem de aprovar as medidas "na marra" e não ter que se submeter a processos democráticos, seguramente encontrará outros setores para incentivar e, assim, ressuscitar o ritmo da sua economia. Arrisco dizer que o governo chinês tentará se concentrar em formas de incentivar o consumo familiar.
A desaceleração da economia chinesa seguramente afetará o Brasil, principalmente suas exportações e o fluxo de investimentos diretos. Aqui também temos dados desencontrados que com o tempo serão conhecidos com mais precisão. Por exemplo, enquanto a China adotou uma meta de crescimento do PIB de 5% para o ano de 2024, as estimativas de organismos internacionais vaticinam um crescimento de até 7%. Em comparação com o crescimento projetado para a economia mundial como um todo, de 3,5%, o crescimento da economia chinesa parece excepcionalmente alto – o dobro. Nada mal. As commodities brasileiras deverão sim sofrer com essa circunstância, mas minha estimativa é de que caiam entre 4% e 7%. Parece pouco, mas se essa queda não for compensada com entradas de outros investimentos externos, especialmente vindos dos Estados Unidos e da Europa, regiões que estão num caminho de redução das suas taxas de juros, isso poderá impactar a taxa de câmbio e a inflação no Brasil. Estes últimos impactos, somados às inconsistências das decisões de política fiscal, podem piorar o panorama inflacionário no Brasil.
No que concerne aos investimentos externos chineses, especialmente na América Latina, vê-se claramente uma opção combinada de geopolítica e economia. A China vem investindo na Venezuela há pelo menos três décadas; isto pode ser explicado pelo fato de que o item que mais pesa nas importações chinesas é o petróleo, mas acredito que haja aí também motivos de geopolítica, sendo uma ação da China para ‘colocar um pé forte’ nesta região, uma área que sempre foi considerada como de influência predominante dos Estados Unidos. As áreas que poderiam ser mais afetadas em nosso país, na minha opinião, seriam a de energias renováveis, veículos elétricos, mineração e infraestrutura urbana.
Com base nas informações que se tem atualmente, não tem como afirmar se, ao diminuir a demanda chinesa, o Brasil teria problemas na procura de diversificar sua base de exportação. O mundo inteiro compra as commodities brasileiras; portanto, espera-se que não seja muito difícil encontrar novos mercados para as exportações que deixariam de ser destinadas ao mercado chinês. Porém, esse ‘excesso’ de oferta mundial pode afetar as cotações internacionais dessas commodities, prejudicando o desempenho da balança comercial brasileira. Quanto à possibilidade de o Brasil diversificar a sua base de exportações, precisamos lembrar que a indústria brasileira não acompanhou o ritmo de desenvolvimento de outros países e que a falta de investimentos em infraestrutura para capturar ganhos de produtividade por parte da indústria brasileira deixa o país com poucas opções para exportar bens com maior valor agregado. Estimo em duas décadas o tempo que o país demoraria para tornar-se competitivo na exportação de produtos industrializados. Não é que sejam precisos vinte anos para atingir esse nível de produtividade, mas devemos levar em conta que, nesse mesmo período, os países concorrentes também ganharão produtividade.
Concluindo, as estratégias de longo prazo que o Brasil deveria adotar não se referem à redução da dependência chinesa, já que essa dependência é mútua. Entendo que, como falado anteriormente, a estratégia do Brasil precisa apontar muito mais à criação de uma política industrial de longo prazo que "mire" ganhos em produtividade do que políticas para diversificar e expandir os mercados importadores das nossas commodities.
Texto escrito para a coluna Ponto de Vista, por Ricardo Julio Rodil.